quinta-feira, 11 de junho de 2009

Belíssimas palavras, meu caro amigo.

O Velho Oeste de Minas e seu angu, feijão e “cover”
Por Guite, editor do selo musical Gravatório. Este é um artigo escrito para a Revista Atellier, um interessante projeto desenvolvido por alunos do último ano do curso de jornalismo da FUNEDI/UEMG.


É quase um clichê dizer que moda/comportamento e a música estão intimamente ligados, se relacionam e se retro-alimentam. Talvez fosse pretensão demais querer responder quem veio primeiro nesta estória: correríamos o grande risco de nos perder num debate do tipo “o ovo ou a galinha”, ou pra quem ainda se lembra, em um efeito “tostines” (“vende mais por que é fresquinho ou é fresquinho por que vende mais”, lembra?).

Fato é que as relações entre o universo musical e comportamento vão muito mais além de trilhas sonoras para esnobes desfiles de moda e daquele clássico da música adaptado para o jingle do comercial de carros ou do celular. Embora seja difícil precisar, mas é possível afirmar que tais relações já existiam antes da formação de uma indústria robusta de bens culturais, como conhecemos hoje. Se tentarmos apenas remontar o breve século XX, poderemos perceber que as relações entre música e padrões de comportamento são marcados por revezes caracterizados de grandes tensões históricas. Passeando pelo tempo, pela música, pelas modas e pelo mundo, nosso percurso incluirá breves exemplos que podem ilustrar melhor do que trato aqui.

Podemos partir da história do samba, que de música ligada aos batuques e as populações negras periferizadas, vista com preconceito e como manifestação digna de repressão, passou ao gosto das elites brasileiras, identificando a partir da segunda metade do século XX como a música “tipicamente brasileira”. Principalmente amalgamado ao jazz através da bossa-nova, o samba reinventado pelas elites, transformou-se na representação da música brasileira diante da comunidade internacional.

Grosso modo, se fizermos um breve vôo pela história da música norte americana, pode-se perceber que toda a música popular e pop dos Estados Unidos derivou dos comportamentos de “outside of the tracks” (do outro lado dos trilhos), onde os meninos brancos foram buscar a inspiração, as roupas e as remexidas de quadris. Ou seja, do rock n´roll clássico, passando pelo blues, pelo jazz, pelo funk e pela soul music das décadas de 50, 60, 70 e 80, desaguando no Hip Hop e R n´ B, que desde a década de 90 dominam as paradas americanas, toda a música popular norte americana parece ter bebido na cultura dos guetos para chegar ao gosto da elites e dos subúrbios brancos da América. Não quero dizer com isso que toda fagulha de novidade tenha vindo da periferia, nem estou tampouco romantizando a noção de periferia.

Para mim parece inegável que o potencial criativo realmente inovador, em certa medida sempre esteve ligado a uma atitude outsider, que não está obrigatoriamente ligada a uma questão de classes, como pode parecer nos exemplos citados.

Provavelmente a música que conhecemos como punk-rock já fosse tocada desde os finais da década de 60 por bandas americanas e inglesas, mas foi preciso que o Malcolm Maclarem, dono de uma loja de roupas e moda “SEX” nos subúrbios de Londres, tivesse a brilhante idéia de ajudar a reunir e estilizar uma das bandas que se tornou símbolo da estética punk: os Sex Pistols. Malcolm não era um punk, mas criou a onda punk como foi cooptada pela mídia dos finais dos anos 70.

Sempre houve uma fagulha de inovação, frescor e até de subversão nas criações culturais que revolucionaram a música e o comportamento (e, portanto, a moda) durante o século XX. Tais criações sempre estiveram permeadas por uma tensão entre as culturas do underground, de um lado, e o establishment, de outro. Até que um dia as gravadoras e a mídia em geral descobriram que era mais fácil criar um “artista”, do que ter que lidar com as excentricidades e os egos dos reais artistas. Ou até que algumas bandas percebessem que era obviamente mais fácil tocar músicas alheias do que criar suas próprias.

O contexto que vivemos em Divinópolis é impregnado de uma cultura “cover”. Divinópolis sempre se representou como uma Belo Horizonte em miniatura, a começar pela sua “savassinha”. Os artistas daqui também não se pautam por menos. O leitor com certeza perderia de conta, se se atrevesse a contar quantos grupos “cover” e quantos artistas claramente derivativos se encontram na região. Trata-se de uma cultura da reprodução, e que é perpetuada num âmbito mais amplo pelo “jabá” geral em que se encontra a mídia radiofônica e televisiva brasileira.

Isso quer dizer que todo ímpeto de inovação que poderia existir, está sendo gasto numa cultura do macaqueamento da música e da atitude fake imposta pelas grandes mídias. A música e a moda daqui dizem isso: são cópias em massa da “maior moda/banda dos últimos tempos da última semana”. È a confecção genérica transportada em sacolões. Somos um pólo da moda? Somos referência cultural? Duvido!

Mas felizmente a vida inteligente resiste nas redondezas. Se você caro leitor observar bem, vai trombar por aí com artistas honestos realmente empenhados em tecer um trabalho autoral e, em certa medida, original. Posso citar apenas alguns exemplos, correndo o risco e a injustiça de deixar outros tantos de fora: Pedro Flora, Markinho Gomes, Mull, Modal, La Sangria, Aura, Anarkaos, Teto Preto, outros mais consagrados como Jubarba e Gê Lara... enfim. São artistas que guardam pouco em comum, a não ser o fato de investirem naquilo que eles mesmos criaram, e isso faz toda diferença!

Afinal de contas, tendências inovadoras tem que partir de algum lugar, e a “regurgitância” do mundo cover com certeza não nos levará a novos caminhos. Os clássicos do rock ou da música popular não nasceram clássicos. As tendências da moda e do comportamento, muito menos. Foi preciso que a princípio alguém ousasse fazer algo novo, ou no mínimo, diferente da mesmice entediante que vira e mexe assola o mundo.

Guite.